Data: 04/07/2023

Para onde caminha os setores de Animal Nutrition e Food Ingredients? Como as inovações tecnológicas vão transformar a indústria alimentícia? Essas são apenas algumas perguntas que o Professor Dr. Leonardo Barcellos respondeu nesta nova edição do BRFi Talks. Médico veterinário formado pela Universidade Federal Rio Grande do Sul, Barcellos é mestre em Zootecnia e doutor em Fisiologia. Trabalha na Universidade de Passo Fundo desde 2001, lecionando disciplinas nas áreas de Fisiologia, Bem-Estar Animal e Aquicultura. É consultor do Ministério da Agricultura no desenvolvimento de materiais e base teórica para o bem-estar de peixes.

Tendo em mente que as inovações do mercado de Nutrição Animal contribuem diretamente para a produtividade, há algum gargalo na disseminação das pesquisas, testes e inovações? Como essa disseminação de informações e inovações em ingredientes contribui para a indústria?

É um tema que nós temos discutido não somente em relação à nutrição animal, mas em outras áreas também, onde a indústria tem um grau de evolução tão grande que nem sempre a academia acompanha. Uma coisa ao contrário do que seria antes: a academia evoluir e a indústria não acompanhar. Eu vejo, não só na nutrição animal, empresas tendo uma tecnologia que quem está em contato com o campo, com o mercado, não consegue explicar tamanha evolução. Então, muitas vezes, não se tem noção. Ou seja, aquele que recebe essa tecnologia não está conseguindo entender tudo que ela propicia.

Muitas vezes, o encarregado de fazer as vendas ou a sensibilização do mercado não consegue explicar por que não detém todo conhecimento necessário para isso. E nesse campo da nutrição, por exemplo, a gente pega um zootecnista, agrônomo ou veterinário, que está na frente do conhecimento que precisa saber de fisiologia de altíssima complexidade para entender como aquilo é absorvido, ou como a tecnologia muda a microbiota do animal e oferece tanto efeito. Para mim, esse é o gargalo: cada vez mais a indústria tem que dar conta de ter quase a sua universidade corporativa.

As coisas estão num nível que, além da evolução toda de como vamos utilizar essas inovações, como levar isso ao campo. Então, isso se constitui hoje no maior gargalo. Um gargalo de capacitação, como aquela história: consigo capacitar meu técnico, mas o meu mercado tem condições de entender isso?

Cada vez mais vejo, vamos pensar na BRF. Além dela vender o seu produto, seu conceito, ela coloca esse mercado e consumidor com cursos, materiais que eles possam entender. Cada vez mais temos que evoluir para algo que vá além de vender o produto, mas ensine a importância dele: como usar, como tirar o melhor. Senão, o deslocamento da capacidade dos técnicos quanto do mercado de utilizar e se valer daquela tecnologia vai ser um problema, um gargalo que todos teremos que saber como transpor.

Aproximar a indústria, a empresa e a academia.

Não que não se fizesse isso antes, mas hoje nós chegamos em um ponto na qual o nível tecnológico, o nível de detalhe, o nível de personalização do produto para o cliente se tornou um desafio. Não é mais fazer uma festa e explicar o produto. Tem que ser algo diferenciado, cada vez mais exato para aquele mercado, para aquele tipo de cliente. É uma coisa que a tecnologia vai trazer. Porque disseminar pesquisa não é nada fácil, tanto na academia quanto na indústria. Porque o jornalismo científico dentro das empresas vai ser cada vez mais forte.

Sabemos que a produtividade engloba muitos fatores além da dieta nutritiva. Hoje, os produtores também precisam se atentar às condições do meio em que o animal vive. Como o uso favorável do meio ambiente pode influenciar na produtividade das espécies e suprir suas necessidades além da nutrição?

Alguns problemas que são anteriores a uma supernutrição. Não adianta fazer uma nutrição superespecífica se têm deficiências básicas antes. Na minha área fica fácil de entender, tem o problema na qualidade de água, na genética, em uma série de coisas e, não adianta querer usar uma super ração, cheia de aditivos que, para aquela situação, não vai funcionar. Além de vender um superingrediente novo, é dizer que isso vai funcionar se outras questões estiverem organizadas. Então, é aquela questão que volta, que aparece no futuro: a personalização.

Problema de todas as sequências da cadeia que podem estar roubando o sucesso de algumas dessas inovações em nutrição, levando a que o produtor ache que não funciona. Então, assim, o uso do ambiente e os dois termos-chave que qualquer empresa deveria focar, e a BRF já usa, é bem-estar animal e rastreabilidade.

Quando tem uma condição ambiental favorável e o bem-estar engloba tudo, o resultado é outro. Sem contar que precisa levar em conta que tem algo que pode ser convertido em agregação de valor e não é. Bem-estar animal, questão da segurança ambiental, temas que se tiver um 1% de investimento, a indústria tem que divulgar. Porque a sociedade vê muito bem e vai ver cada vez mais.

A atenção da sociedade com o bem-estar animal está cada vez maior. Por exemplo, se a empresa e os ingredientes, pensando agora na BRF Ingredients, estão associados a produtos, a práticas, a fomento do bem-estar animal, às boas práticas, sem dúvida nenhuma isso vale dinheiro. Então, aí está o ponto: mostrar que quanto melhor for o ambiente, a relação do animal com o ambiente, menos outras fatias da energia que o animal tem vão precisar ser gastas. Não é à toa que a primeira definição de bem-estar animal até hoje é: “Como o animal está em suas tentativas de lidar com o meio ambiente”.

As melhorias do meio ambiente são chave para expressão de qualquer resultado de um produto que a indústria queira colocar. Talvez um dos maiores fatores para algo não funcionar é essa, ser usado numa cadeia de produção de proteína animal com desajuste. E esse desajuste vai comer o resultado que era esperado dos produtos.

A sustentabilidade está muito ligada à inovação. Você acredita que ingredientes sustentáveis são a grande chave para o futuro da nutrição animal?

Sem dúvida. Não digo que seja a única, mas são bem relevantes. Em alguns momentos avança até que chega um ponto que precisa dar um passo atrás. E esse passo atrás é se o nível de produção dá para chegar em 80, mas com 70 é mais ambientalmente sustentável. A questão sustentável e econômica que se discutiam há 20 anos agora são muito mais pertinentes.

Por exemplo, a gente vê muita coisa sobre o bem-estar, ele é convertido em agregação de valor. A presença de ingredientes que podem não te levar ao máximo de produção, mas te garantem uma produção mais ambientalmente amigável, isso vai valer dinheiro. Vai ter mercado, vai ter nicho para isso.

Não adianta uma ração que sobra muito e vai parar no ambiente. Nós temos cada vez mais que buscar algo talhado para aquela categoria animal, para aquela fase do desenvolvimento, para garantir que ela vá aproveitar o máximo daquele ingrediente, e que aquele nutriente não vá parar no ambiente como sobra, dejeto ou resíduo. Nesse ponto, sim, é um ponto que penso para a questão dos hidrolisados e os peptídeos.

Vejo que diante de tanta evolução tecnológica, que acaba emendando as quatro perguntas, o grande futuro desses compostos seja uma nutrição de alta performance e cada vez mais personalizada, para grupos e fases diferentes de animais e, quem sabe, mais para frente, para novos modelos de produção.

Então, cada vez mais uma nutrição bem personalizada de acordo com as características da produção. E isso pensando em nutrição animal, a gente pode pensar também que os hidrolisados e peptídeos vão chegar sem sombras de dúvida para nutrição humana, e já está acontecendo.

Diante dessas inovações em formulações, que tipo de impacto você enxerga com o uso dos hidrolisados enzimáticos e peptídeos bioativos?

O impacto de uma nutrição cada vez mais terapêutica e mais personalizada. Nós não vamos mais usar o hidrolisado inteiro. Logo, logo o foco vai ser extrair dali peptídeos específicos que podem ser usados para qual função.

Aquele momento em que saímos da ração ensacada e foi para ração à granel, daqui vamos ter que regredir e ter vários silos, porque você vai precisar de silos para cada fase do animal. Sem dúvida, essa questão imunológica do animal, preparação do animal para as diferentes fases da produção. A nutrição vai se adaptar a isso e oferecer ao produtor tecnologia que ele consiga evoluir.

A palavra-chave vai ser cada vez mais essa de nutrição ajustada para cada tipo de cadeia produtiva e cada fase dessa cadeia. E aí precisa ver o quanto a academia vai dar conta disso, e não sei se está evoluindo.

Se fizermos um apanhado geral, as quatro perguntas se relacionam, porque tem muita coisa vindo pela frente. E como disseminar isso é um gargalo, questão de saber usar cada vez mais o bem-estar animal como ajuste do animal frente ao ambiente, quanto melhor o desempenho do meio, melhor o desempenho animal e isso evitar o insucesso de inovações de produtos. A questão da sustentabilidade é cada vez mais, talvez em um primeiro momento como nicho, mas logo, logo a tônica de tudo. E essa possibilidade enorme com esses novos, não tão novos, dos hidrolisados e peptídeos.