Data: 07/03/2022

Qual é o cenário atual do mercado de nutrição animal? Para entender melhor os desafios enfrentados pelos produtores de ração, em busca de soluções que apresentem uma qualidade cada vez maior para os consumidores, conversamos com o professor Wilson Rogério Boscolo, especialista no assunto.

Wilson Rogério Boscolo é graduado em Zootecnia pela Universidade Estadual de Maringá (1997), mestre em Zootecnia pela Universidade Estadual de Maringá (2001) e doutor em Zootecnia pela Universidade Estadual de Maringá (2003). Atualmente é professor associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Nutrição e Alimentação Animal, atuando principalmente nos seguintes temas: tilápia do Nilo, Oreochromis niloticus, desempenho, nutrição e tecnologia do pescado.

Confira na íntegra a entrevista.

Como é o cenário atual do mercado de nutrição animal?

Prof. Wilson Boscolo: A área de nutrição animal vem em uma crescente evolução, hoje em dia. Temos observado a ampliação de fábricas existentes, a criação de novas plantas e a entrada de novas empresas nesse setor.

A demanda por proteína de origem animal é muito grande. Além disso, também vemos o crescimento do mercado PET, aumentando a adoção de animais de estimação para companhia.

Essa mudança de hábitos, demanda ração para esses animais e no meu ponto de vista, isso comprova que a nutrição animal é um mercado em franca expansão.

Quais são as principais características desse mercado em termos de competitividade?

Prof. Wilson Boscolo: Realmente, esse é um mercado bastante competitivo. Basicamente, temos dois sistemas de criação de animais. Em se tratando de animais de abate, temos as empresas que são integradas ou verticalizadas, ou seja, que têm o fornecimento da própria ração, e temos também o mercado de venda das rações para os produtores rurais.

Nesse cenário, principalmente no segundo caso, vemos uma competitividade muito grande e, em razão disso, as empresas procuram se diferenciar de alguma forma. Muitas vezes essa diferenciação se dá pelo preço. Todavia, todos querem um produto de qualidade, uma vez que se você optar por um produto básico acabará tendo um público restrito. Desse modo, as empresas procuram se superar para apresentar algum diferencial de qualidade. Ao final, irá se sobressair nesse mercado quem oferecer uma qualidade melhor por um preço justo.

Quais os caminhos utilizados pela indústria para enfrentar os desafios atuais do mercado?

Prof. Wilson Boscolo: Há dois aspectos que vejo que têm recebido grandes investimentos: equipamentos cada vez mais produtivos e tecnológicos, além de capacitação de pessoal, e uma busca constante por uma cadeia de suprimentos que ofereça uma melhor relação custo-benefício.

As commodities têm preço fixo, mas há uma busca constante por sucedâneos dessas commodities que sejam capazes de entregar algo a mais. Em termos de nutrição animal falamos bastante sobre formulação de rações a custo mínimo, ou seja, fazer um alimento completo, que atenda a todas as necessidades nutricionais a um custo mínimo de produção.

Portanto, a questão do custo é fundamental. De nada adianta fazermos a melhor ração do mundo sendo que o custo dela será superior até mesmo ao quilo do animal produzido, pensando em animais de abate. Um exemplo é a tilápia, o qual tem um preço de mercado (U$/kg de peso vivo) médio em torno de US$ 1,5 e se colocarmos todos os aditivos disponíveis no mercado para essa ração, muitas vezes o quilo da ração será mais caro do que o quilo do animal, o que torna inviável. Dessa forma, o retorno sobre o investimento é importante.

Qual é a importância da inovação no mercado de nutrição animal?

Prof. Wilson Boscolo. No cenário atual, a questão da reformulação de rações e da substituição de ingredientes é uma luta diária para os formuladores de ração. Então, a inovação acaba sendo muitas vezes a principal causa para se manter no mercado.

Falando em ingredientes, por exemplo. Os ingredientes convencionais são utilizados por todos os formuladores de rações e eles seriam o mundo ideal. Fazer ração com milho, farelo de soja, farinha de peixe seria o melhor dos mundos, poucos ingredientes para ter um controle de qualidade. Porém, com a alta flutuação de preço das commodities, custo de frete muito alto e a existência de insumos mais nobres, como aditivos zootécnicos (aminoácidos, vitaminas) e ingredientes funcionais, e a dependência da importação é preciso buscar outras opções.

Nessa situação, precisamos trabalhar com insumos que nos deem uma possibilidade de margem para trabalhar na ração para que não fiquemos tão dependentes desses commodities convencionais. Com isso, existe a busca por inovação, principalmente em ingredientes funcionais e aditivos zootécnicos onde você tem um ganho em performance, peso, conversão alimentar ou taxa de sobrevivência.

Por exemplo, quais são os ingredientes alternativos a uma farinha de peixe? Temos por exemplo a Farinha de Penas de Aves, Farinha de Sangue, Farinha de Vísceras de Frango. Esses ingredientes alternativos aos convencionais podem ter algumas deficiências nutricionais. As fontes de origem vegetal, por exemplo, podem ter fatores antinutricionais. É nesse ponto que precisamos superar essa perda de ganhos.

Portanto, esses ingredientes inovadores – aditivos zootécnicos – proporcionam melhoria nessa performance, como a Proteína Hidrolisada de Frango. Então a indústria busca muitas vezes alternativas com disponibilidade regional que possam produzir resultados iguais ou até mesmo melhores graças a alguma vantagem funcional.

Entre todos os fatores que o professor mencionou, quais você acredita que são as principais tendências do mercado de nutrição animal?

Prof. Wilson Boscolo: Por uma necessidade e carência de ingredientes em termos de volume e qualidade, acredito que será na área de ingredientes que irá se investir mais e terá mais oportunidades.

Na nutrição animal, trabalhamos muito com índices zootécnicos e um dos que mais consideramos é o de conversão alimentar. Ou seja: quantos quilos de ração um animal consome para ganhar um quilo de peso? Dentro da área que mais trabalho é comum termos índices de conversão alimentar, tanto para a carcinicultura quanto para a piscicultura, por volta de 1,5kg para cada 1kg de peso. E através da inclusão de ingredientes que melhoram o metabolismo do animal, queremos chegar em uma conversão mais próxima de 1kg para 1kg. Então, se conseguirmos melhorar este índice, teremos uma maior lucratividade aliada a uma maior sustentabilidade.

Já dentro da área de nutrição para PET, precisamos de rações que proporcionem mais saúde e longevidade aos animais. A chance de termos ganhos dentro da fábrica com equipamentos é muito menor do que se utilizarmos ingredientes de melhor qualidade para que os animais tenham mais saúde, como ingredientes mais naturais, hipoalergênicos, de melhor digestibilidade e que melhorem parâmetros metabólicos e de saúde do animal.

Temos muito a ganhar tanto nos animais de criação, quanto nos animais de companhia quando trabalhamos com alimentos melhores, “mais inteligentes” e que proporcionem mais saúde para os animais.

E quais seriam as principais características de uma nutrição de alta performance?

Prof. Wilson Boscolo. Para fazer uma feijoada boa você precisa de bons ingredientes. Então, basicamente, para ter uma nutrição de alta performance, é necessário utilizar bons ingredientes – bons aditivos e bons alimentos para formular rações. Logicamente, ter um bom equipamento faz com que você tenha um melhor aproveitamento desses ingredientes, com menor perda.

Primeiramente atender as exigências nutricionais do animal em questão, seja ele um cão, gato ou peixe. Buscamos sempre a utilização de ingredientes que tenham uma boa digestibilidade, um bom perfil de nutrientes e uma boa palatabilidade. Mas além disso, a indústria busca algo a mais além de nutrir, anseia-se pela busca de melhorar o metabolismo do animal.

A outra preocupação é sobre não gerar muitos resíduos no ambiente. Nesse sentido, um cachorrinho vai produzir uma menor quantidade de fezes, o que gera um menor transtorno. Ou no caso de um animal aquático, que as fezes vão poluir o próprio ambiente de criação. Consequentemente, com os suínos é da mesma forma.

Como o Brasil está se posicionando neste mercado em relação aos demais países?

Prof. Wilson Boscolo. Não perdemos em nada em termos de tecnologia e em termos de profissionais bem preparados. Inclusive, comparado com alguns mercados estamos bem à frente. Por exemplo, com relação à parte produtiva estamos no nível dos norte-americanos.

Tenho um envolvimento maior no ramo da aquicultura e se comparamos a nossa indústria com as demais estamos crescendo muito, acompanhando o crescimento do mercado interno. O crescimento da aquicultura no Brasil já era esperado, uma vez que temos a maior reserva de água doce do mundo e uma costa imensa que ainda não foi explorada para fins de aquicultura.

Porém, precisamos crescer com sustentabilidade e, para isso, precisamos investir na melhoria constante das nossas rações. Essas rações representam cerca de 70% do custo das propriedades de aquicultura, então qualquer melhoria que fizermos tem efeito em uma fatia grande. Além disso, temos outros fatores como manejo e genética, mas a nutrição impacta muito.

O que você diria para um profissional que quer se dedicar a pesquisas nessa área em termos de qualificação?

Prof. Wilson Boscolo: Eu diria que esse profissional vai ter muitos desafios pela frente pois é necessário alinhar a melhoria de performance e saúde com um custo-benefício. Há muito o que se fazer nessa área de pesquisa em nutrição animal porque é possível visualizar as respostas no dia a dia, quando melhoramos uma ração.

O profissional deve se colocar no lugar do comprador final do produto que ele está pesquisando e desenvolvendo. Sempre que eu trabalho no desenvolvimento de uma ração eu tento me colocar no lugar do produtor ou consumidor final, o qual depende do retorno daquele investimento.

No final das contas, se o produtor não ganhar dinheiro na atividade, isso não se torna sustentável para a fábrica de ração. Então, ele vai ter que proporcionar aumento de lucratividade para o produtor. Assim, a premissa é fazer e desenvolver algo que traga lucratividade com respeito ao meio ambiente.

Com isso, é necessário que o futuro pesquisador se especialize. Hoje temos inúmeros cursos de pós-graduação, inclusive gratuitos, em que se pode obter até bolsas para mestrado ou doutorado no Brasil ou no exterior. Quando eu fui fazer doutorado tinham poucas opções, mas hoje quase todas as universidades públicas e particulares têm cursos nessas áreas.

Tenho observado também que muitas fábricas de ração têm contratado mestres e doutores para trabalharem já que faz diferença ter essas pessoas com maior grau de especialização dentro da área de nutrição animal.

Estamos em constante evolução nesse mundo de novos insumos, buscando ingredientes mais específicos e que proporcionem melhores resultados. Antigamente, fazia-se ração para atender a proteína bruta e estava tudo resolvido. Posteriormente, evoluiu e começamos a atender os aminoácidos. Hoje já falamos de peptídeos funcionais e há muitos temas interessantes, mas para isso precisamos estudar bastante e nos reciclarmos.