Data: 16/03/2022
Peptídeos bioativos: definição e importância
Os peptídeos são moléculas orgânicas formadas pela união de dois ou mais aminoácidos através de ligações peptídicas, que ocorrem entre o grupo carboxila de um aminoácido e o grupamento amina de outro. Estas moléculas diferem entre si conforme o número e o tipo de aminoácidos que as formam[1]. Quando são formados por dois, três e quatro aminoácidos, são chamados de dipeptídeo, tripeptídeo e tetrapeptídeo, respectivamente, e assim por diante. No entanto, aqueles peptídeos que apresentam acima de setenta aminoácidos são denominados proteínas[2].
A partir da década de 50, descobriu-se que os peptídeos tinham propriedades benéficas à saúde. Nesta época, muitos tiveram suas estruturas químicas determinadas, como a insulina e o glucagon[3]. Desde então, suas sínteses, separações e aplicações são amplamente estudadas.
Os peptídeos desempenham funções diversas e importantes no organismo. Alguns peptídeos atuam como hormônios ou reguladores de hormônios, outros são neuropeptídeos, neurotransmissores, analgésicos e inclusive antibióticos[4,5].
Neste contexto, os peptídeos bioativos são definidos como aqueles peptídeos que apresentam efeitos fisiológicos ou funções biológicas diversas, como as que foram citadas anteriormente. De acordo com López-Barrios, Gutiérrez-Uribe e Serna-Saldívar[6], os peptídeos bioativos são definidos como fragmentos de sequências de aminoácidos em uma proteína que confere funções biológicas além de valor nutricional.
Por serem moléculas de estrutura química menores do que as proteínas, os peptídeos são absorvidos e utilizados de forma direta pelo organismo. Essa absorção ocorre no intestino e gera algumas propriedades funcionais equivalentes às das proteínas[7].
Nos animais, essas biomoléculas apresentam e cumprem algumas funções fisiológicas e/ou regulatórias, cruciais para seu desenvolvimento[8]. Por exemplo, o peptídeo PEC-6o ativa no intestino delgado e em outros tecidos a ATPases, enzimas que atuam diretamente na produção de energia celular, essencial para a vida[9].
Além desses, alguns peptídeos possuem função antimicrobiana, responsáveis pela saúde da microbiota local[10]. No cérebro, são liberados diversos peptídeos que regulam o estado endócrino, a ingestão de alimentos e o comportamento de animais[11]. Sendo assim, os peptídeos são considerados importantes e excelentes suplementos para serem incorporados na nutrição de animais, como aqueles relacionados à aquicultura.
Aquicultura: definição e perspectivas
Segundo a Embrapa — Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2019), a aquicultura pode ser definida como a ciência que busca estudar e promover avanços nas técnicas de cultivo de animais aquáticos. Entre estes, podemos citar os peixes, os crustáceos (como a lagosta e o camarão), os moluscos (a lula e o polvo), as algas e também outros organismos criados em ambientes aquáticos, como as rãs, tartarugas e jacarés — animais exóticos que podem ser criados e consumidos na alimentação humana.
Internacionalmente, o impacto econômico gerado por essa prática ficou conhecido como o Blue Revolution ou “Revolução Azul”. Essa denominação faz uma analogia ao termo Green Revolution, ligada às grandes transformações pelas quais a agropecuária passou a partir da década de 1950[12].
As transformações relacionadas à prática da aquicultura, após esse período, proporcionam até hoje uma grande perspectiva para o desenvolvimento do mercado sustentável para a criação de espécies aquáticas, tanto para sistemas controlados quanto para sistemas semicontrolados.
Desde 2016, a produção e o comércio de animais por meio da prática de aquicultura ultrapassaram a pesca e, desde então, ela é responsável pela metade da produção de pescado no mundo. Desde o ano de 1980, quando houve uma estagnação na produção de peixes por meio da pesca, a produção foi mantida na faixa de 90 milhões de toneladas por ano. Já a produção por meio da aquicultura avançou em 16,5 milhões de toneladas por ano, em 1989, e para 106 milhões de toneladas por ano em 2015.
Com a perspectiva de constante crescimento no mercado da aquicultura, percebe-se a necessidade de melhoria contínua no processo de criação dessa cultura. Dessa forma, entende-se que é de grande importância compreender as necessidades nutricionais de cada espécie, buscando uma alimentação adequada para o desenvolvimento ideal dos animais.
Todavia, alguns alimentos utilizados para nutrir essas espécies podem não atender todas as suas exigências, visto que podem apresentar baixa atratividade para os animais ou serem de baixa digestibilidade no organismo.
Conforme citado anteriormente, os peptídeos bioativos oferecem alta absorção no organismo, além de fornecer diversas propriedades interessantes do ponto de vista biológico e funcional. Dessa forma, eles são considerados interessantes para utilização na suplementação de rações destinadas a animais aquáticos.
Emprego de Peptídeos Bioativos na Aquicultura
O emprego e o desenvolvimento de uma suplementação adequada para cada espécie de animais aquáticos, necessita de estudos prévios com objetivo de compreender as necessidades alimentares individuais, principalmente quando se trata de proteínas.
O investimento em uma dieta adequada proporcionará a saudabilidade desses animais, bem como uma alta taxa de sobrevivência, colaborando para o crescimento e performance. Dessa forma, é entregue ao mercado consumidor um produto de qualidade, com consequente retorno financeiro aos criadores.
A espécie Oreochromis niloticus, popularmente denominada Tilápia do Nilo, é um animal aquático de fácil cultivo, sendo criado em diversas regiões do mundo, principalmente em localidades de climas tropicais e subtropicais[13]. No entanto, a nutrição dessas espécies, na qual a fração protéica da ração é considerada o principal ingrediente para crescimento e nutrição[14,15], apresenta um alto custo de operação, atingindo até 70% do total gasto com a prática de criação[16,17].
Um dos principais empecilhos frente às novas alternativas é a baixa aceitabilidade por parte dos animais[20]. Como parâmetro de aceitação e/ou rejeição quanto ao consumo, utiliza-se a palatabilidade, que visa buscar se houve ou não a ingestão dos alimentos por parte das espécies avaliadas. Sendo assim, a palatabilidade torna-se um fator determinante para o sucesso ou não dessas fontes alternativas, sendo necessária a busca por um alimento rico do ponto de vista nutricional e ao mesmo tempo aceito pelas espécies.
O Brasil é um país que se destaca no mercado mundial de produção de aves e suínos, tendo esses processos amplamente estabelecidos. Como subprodutos gerados nessas cadeias produtivas, podem ser citadas vísceras, penas e miúdos. Como aproveitamento desses produtos e consequente redução no custo produtivo, eles podem ser empregados após processamento e comercializados em forma de hidrolisados proteicos[17].
Conforme Peixe BR (2020), espécies de Tilápias do Nilo foram submetidas a uma dieta baseada em Proteína Hidrolisada de Frango, produto desenvolvido pela BRF Ingredients. Essa proteína possui cadeias menores de aminoácidos, os peptídeos bioativos, sendo produzida por meio de hidrólise enzimática.
A Proteína Hidrolisada de Frango (PHF) da BRF Ingredients é formulada tendo como objetivo melhorar a performance e saúde dos animais. Ela é produzida por meio de um processo de hidrólise enzimática que gera cadeias menores de aminoácidos, os chamados peptídeos bioativos. Esses peptídeos podem ter atividades biológicas específicas como antimicrobiana, antioxidante, anti-hipertensiva e imunomoduladora.
Além de 100% dos peptídeos possuírem massa molecular abaixo de 3.000Da, em uma análise peptidômica, identificaram-se 78 peptídeos, como por exemplo com funcionalidade anti-aminéstico, antioxidante, imunoestimulante, inibidor de angiotensina (ACE), regulador da membrana do estômago entre outros.
A partir da existência destes peptídeos na PHF, foi possível observar resultados de melhora na pressão arterial de gatos, aumento da taxa de sobrevivência em camarões, além do melhor rendimento no filé de tilápias, quando houve a inclusão do ingrediente nas formulações.
Conclusão
Com o crescimento contínuo no mercado da aquicultura, percebe-se a necessidade e a busca pelo conhecimento sobre a dieta apropriada para a criação de cada espécie. Devido ao fomento e à crescente desse mercado, há necessidade de buscar fontes alternativas de proteínas hidrolisadas, que forneçam nutrientes e também o diferencial da presença dos peptídeos bioativos aos animais, visto que são mais facilmente absorvidos pelo organismo e possuem funcionalidades adicionais devido a presença de peptídeos bioativos que auxiliaram na performance e saúde animal.
Os peptídeos bioativos se apresentam neste mercado como nutrientes importantes para o desenvolvimento de rações para os animais aquáticos, e são essenciais para a reprodução, crescimento e desenvolvimento das espécies aquáticas.
A partir das pesquisas realizadas, pode-se perceber que a Proteína Hidrolisada de Frango, obtida a partir de hidrólise enzimática, apresenta os requisitos nutricionais apropriados e atua em funcionalidades específicas em prol da melhor performance e saúde animal, devido a presença de peptídeos bioativos, além de possuir uma alta aceitação por parte dos peixes.
REFERÊNCIAS
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