Data: 02/07/2020
Na nutrição aqua, a palatabilidade é um ponto importante a ser levado em consideração ao formular rações, uma vez que esta característica está intrinsecamente relacionada à digestibilidade.
Rações mais palatáveis — por serem mais atrativas — resultam em um maior consumo por parte dos animais. Por outro lado, quando esta característica é deficiente, ocorre um acúmulo de resíduos nos criadouros, devido ao alimento não consumido/digerido, impactando negativamente a qualidade de água do ambiente de criação.
Com uma alimentação deficiente, os animais aquáticos terão uma piora na performance devido ao crescimento reduzido.
Portanto, rações palatáveis são capazes de trazer benefícios aos animais e também para os aquicultores, uma vez que permitem a redução de componentes caros na dieta dos animais, como é o caso das proteínas, por exemplo.
Neste post, discutiremos o impacto da palatabilidade nos aspectos nutricionais dos animais aquáticos, assim como formas de garantir essa característica nas formulações aqua.
Ingredientes palatáveis para rações
Os ingredientes geralmente utilizados para formular rações aqua são ricos em aminoácidos, nucleotídeos, aminas e nucleosídeos. Alguns exemplos são a farinha de peixe e a farinha de camarão.
Apesar do potencial nutricional desses ingredientes, da alta palatabilidade e garantia de boa performance, os mesmos possuem um alto custo devido à baixa disponibilidade.
Uma alimentação aqua baseada em farinha de peixe representa de 40 a 70% os custos operacionais da aquacultura, segundo um artigo publicado na Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI). Portanto, a busca por ingredientes alternativos que possam fazer parte das rações — diminuindo o custo ao mesmo tempo em que sejam capaz de manter o mesmo nível de performance — é um dos grandes desafios desta indústria.
Segundo estudo da University of Guelph, ingredientes de origem animal, como os co-produtos do abate de frango apresentam alta disponibilidade e menor custo. Além disso, são fontes proteicas altamente digeríveis, ricas em aminoácidos essenciais, vitaminas e minerais.
A inclusão desse tipo de elemento em rações também contribui de maneira significativa para uma indústria mais sustentável, uma vez que os coprodutos são re-adicionados à cadeia produtiva ao invés de serem descartados.
Neste sentido, as proteínas hidrolisadas são ótimos exemplos. Resultantes da solubilização de proteínas — seja por hidrólise química (ácida ou alcalina) ou enzimática — elas são quebradas em aminoácidos de menor massa molecular, portanto, mais facilmente digeríveis pelo organismo animal.
Dentre as opções disponíveis, a hidrólise enzimática possui a vantagem pelo baixo impacto ambiental devido à não-utilização de solventes prejudiciais.
Além disso, a especificidade enzimática na quebra das proteínas gera peptídeos bioativos que fortalecem o sistema imunológico dos animais, impactando positivamente a performance por conta do aumento da digestibilidade.
Reduzindo custos sem perder a palatabilidade
A proteína hidrolisada de frango (PHF), produzida pela hidrólise enzimática, já comprovou ser eficaz em um experimento feito no Vietnã, com a substituição em rações para tilápias de 10% farinha de peixe por 4% de PHF, onde não afetou negativamente a palatabilidade do produto, consequentemente, mantendo o ganho de peso à mesma taxa que a ração controle e sem causar prejuízos na performance.
Além disto, a PHF também apresentou resultados satisfatórios em experimentos realizados no Brasil, com a substituição em reações aqua de 2% de farinha de peixes por 2% PHF apresentando 23% de melhoria no ganho de peso.
Em um outro estudo, publicado na MDPI, utilizou-se a adição de 5% de proteína hidrolisada de frango, hidrolisado líquido de suíno, hidrolisado protéico de penas, e hidrolisado de mucosa suína em ração aqua para tilápia-do-Nilo. Como resultado, todos os hidrolisados tiverem índices satisfatórios de palatabilidade e a PHF melhorou 10,82% o índice de palatabilidade comparada com a dieta com 5% de inclusão de farinha de peixes.
É interessante notar nesse estudo que os peixes apresentaram maior porcentagem de consumo para as rações adicionadas de coprodutos da agroindústria quando comparado à ração que continha apenas farinha de peixe.
Em uma pesquisa da Aquaculture Reports, onde se estudou a substituição de farinha de peixe por farinha de pena de frango, a adição de 50% do ingrediente alternativo fez com que o índice de palatabilidade saltasse de 15,27 (dieta controle, apenas com farinha de peixe) para 21,41 na dieta do peixe Sparus aurata.
Esses resultados mostram o enorme potencial apresentado pelos hidrolisados proteicos, que além de serem uma alternativa para diminuir o preço das rações, podem inclusive aumentar a performance de diferentes espécies aquáticas.
Alguns cuidados necessários na substituição
A alimentação para aquicultura deve apresentar uma composição nutricional equilibrada e atrativa para os animais. Porém, o teor de proteínas, lipídios e amido dos alimentos é relativo. Isso acontece não apenas em função das espécies e do seu ciclo de vida, mas também em relação a fatores como o local criação dos animais e restrições ambientais, por exemplo.
O estudo Rendered Products in Fish Aquaculture Feeds da University of Guelph apresenta que o teor de proteínas é bastante variável na maioria dos ingredientes. Essa variação pode ser devido à fonte e a qualidade dos ingredientes aplicados, mas também devido à diferenças nos métodos de extração utilizados.
No mesmo estudo indica que alimentos formulados para conter até 30% de proteína na farinha de vísceras de aves suportaram excelente desempenho de crescimento em truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss). Isso acontece pois a proteína presente é muito semelhante à farinha de peixe em termos nutricionais. Além disso, esse ingrediente pode efetivamente substituir toda a farinha de peixe na dieta deste animal sem impacto negativo na performance.
Em contrapartida, a substituição pela proteína bruta da farinha de sangue seca à chama apresentou digestibilidade de proteínas apenas cerca de 12%, enquanto a proteína da farinha de sangue seco por spray dryer foi quase completamente digerida. Isso reforça a importância na seleção da matéria-prima e como o processo de produção pode influenciar na digestibilidade e outras características do ingrediente.
Contudo é necessário cuidado em alguns casos. Pesquisadores indicam uma baixa digestibilidade para a proteína da farinha de carne e ossos de cordeiro e de carne bovina nos peixes da espécie Bidyanus bidyanus. Os autores sugerem que as proteínas de animais ruminantes geralmente são menos digeríveis por peixes.
No geral, no estudo Rendered Products in Fish Aquaculture Feeds da University of Guelph, indica que a grande maioria das proteínas animais processadas produzidas usando práticas modernas de fabricação (como por exemplo a hidrólise enzimática) são altamente digerível por peixes.
Neste sentido, para formular alimentos aqua nutritivos e bem-sucedidos, requer incluir ingredientes com uma alta digestibilidade e que sejam produzidos com matéria-prima de qualidade. Além disso, requer a compreensão da necessidade dos nutrientes para animal, a biodisponibilidade, tolerância, interação entre os nutrientes e palatabilidade.
Como já demonstrado, a proteína hidrolisada de frango apresenta uma boa performance quando aplicada em rações aqua. Por isso, vale mencionar que para elaboração de uma formulação adequada de alimentos aqua, é importante ter fornecedores confiáveis, que produzam os ingredientes com matérias-primas de qualidade, por métodos de extração eficientes e dentro dos padrões exigidos.
Conclusão
A formulação de rações aqua deve levar em conta a palatabilidade. Controlando essa característica, é possível reduzir a quantidade de resíduos e até mesmo melhorar o crescimento e a performance das espécies aquáticas.
A substituição parcial de farinha de peixe por ingredientes provenientes da agroindústria tem se apresentado como uma alternativa sustentável e economicamente viável para se reduzir os custos com alimentação na aquicultura sem perder na qualidade e melhorando a palatabilidade das rações.
A proteína hidrolisada de frango demonstra ser uma ótima alternativa de aplicação nos alimentos aqua. Contudo, é importante ter uma formulação com uma variedade de ingredientes de qualidade e que apresentem uma composição nutricional, digestibilidade e palatabilidade de acordo com as necessidades do animal.