Data: 18/07/2022
Para oferecer soluções progressivamente assertivas e de qualidade à indústria de nutrição animal, se faz necessário entender profundamente os desafios enfrentados pelos produtores de ração. Com esse objetivo, a BRF Ingredients iniciou a série BRFi Talks que, periodicamente, entrevista profissionais da área de nutrição animal sobre os temas mais relevantes desse mercado.
Para essa conversa, convidamos o Professor Dr. Leonardo Barcellos. Ele é médico veterinário formado pela UFRGS, mestre em Zootecnia e doutor em Fisiologia. Trabalha na Universidade de Passo Fundo desde 2001, lecionando disciplinas nas áreas de Fisiologia, Bem-Estar Animal e Aquicultura. Barcellos também é consultor do Ministério da Agricultura no desenvolvimento de materiais e base teórica para o bem-estar de peixes.
Confira a entrevista na íntegra.
Qual é o cenário atual da indústria de nutrição animal no Brasil?
Prof. Barcellos. Percebo que a evolução do conhecimento específico de nutrição é bastante grande. Isso fica nítido tanto na parte básica, de conhecimento de processos quanto na parte operacional, de ingredientes e maneiras de formular dietas.
As pesquisas da área buscam obter o máximo potencial dos animais. Porém obter esse potencial engloba outros fatores. Ninguém vai investir em nutrição superior para animais se outras necessidades, além dos aspectos nutricionais, não estiverem sendo atendidas. No caso dos peixes, por exemplo, não adianta ter acesso à melhor ração se não houver acesso também à água de boa qualidade, instalações apropriadas e melhorias genéticas.
A exigência por pesquisas é crescente. As indústrias vão continuar trazendo os aspectos científicos atrelados aos benefícios e informações promocionais dos produtos, com o objetivo de comprovar porque o produto é bom. Por isso, as empresas estão investindo em equipes técnicas, consultorias e cursos.
A partir do que foi mencionado anteriormente, há três áreas específicas: o ambiente, os ingredientes e a genética. Qual dessas áreas apresenta o maior desafio?
Prof. Barcellos. Existem grandes desafios nas três áreas. O maior deles é difundir e compartilhar todo o aprendizado adquirido, para que as pessoas compreendam e relacionem os fatos. Por exemplo, a questão de ingrediente está, muitas vezes, conectada ao aspecto ambiental de diminuição e reaproveitamento de resíduos. Assim, quando se utiliza uma proteína de melhor aproveitamento para os peixes, se está também contribuindo para a liberação de menos nitrogênio no efluente.
Quando se gera um novo aproveitamento de um ingrediente, como um hidrolisado diferente, se comprovada a efetividade, há o retorno de investimento sobre as pesquisas realizadas. Após isso, temos um grande desafio: como produzir e vender para pessoas um produto sobre o qual elas não têm nenhum conhecimento, ainda que seja um excelente produto? É preciso transmitir aos potenciais clientes as descobertas, aprendizados e conhecimentos adquiridos pela academia e pela indústria.
Em uma nutrição de alta performance e com o aprimoramento de fórmulas, quais movimentos você vê para os ingredientes nesse mercado?
Prof. Barcellos. Muitas vezes esse movimento começa pelo compartilhamento de novos conhecimentos com a indústria. Por exemplo, é sabido como funciona o tráfego intestinal de um suíno em cada fase até que se forme a imunidade da mucosa. Nesse quesito, identifica-se algo específico que auxilia para que a absorção aconteça em um período maior, para que o suíno possa absorver o necessário. A partir desse novo conhecimento, pode-se considerar o uso de ingredientes inovadores que promovam esse auxílio.
Além de fornecer características nutricionais básicas às fórmulas, os ingredientes também devem estimular uma resposta no animal. A grande inovação, para mim, que já está em plena pesquisa, refere-se à nutrição funcional de alta precisão para os animais, para que os ingredientes confiram as propriedades nutricionais adequadas para a fórmula da ração e exerçam, também, efeito sobre o trato gastrointestinal ou outras partes do organismo animal.
Analisando o panorama atual do mercado brasileiro em comparação a outros mercados, como o Brasil está?
Prof. Barcellos. Há pontos em que estamos bem à frente e pontos em que estamos atrás. O agro brasileiro é muito avançado, tem diversos aparatos desenvolvidos e condições de gerar tecnologia própria. Mas, por exemplo, se analisarmos a salmonicultura europeia e comparar com a piscicultura brasileira, veremos que os europeus estão à frente em questões de tecnologia e abate humanitário, provavelmente porque aquela sociedade se preocupa com questões de bem-estar há mais de 40 anos, enquanto a nossa ainda está adquirindo consciência sobre isso.
Já no abatedouro de frango, o Brasil está à frente de outros países. A agricultura evolui em termos técnicos, de forma extraordinária, porém desigual entre as cadeias. As diferentes cadeias de produção animal e vegetal na Europa, estão mais próximas umas das outras. Já no Brasil, há maior disparidade entre elas.
Qual é a principal ligação que a fisiologia tem com a nutrição animal?
Prof. Barcellos. A relação da fisiologia animal com a nutrição é altamente interdependente. É possível não apenas saber como um animal absorve o nutriente, mas conhecer nutrientes que mudem essa fisiologia, ou seja, gerem efeitos biológicos sobre o animal. Isso é a base da nutrição funcional / nutracêutica.
Acredito que o ponto seja aprofundar continuamente o conhecimento sobre como cada tipo de ingrediente e alimento impactam na fisiologia do animal. Em um experimento com peixes, por exemplo, mudando a composição dos aminoácidos, a expressão dos receptores que fazem a absorção desses aminoácidos aumentou exponencialmente, mudando de área do intestino dos peixes e fazendo com eles absorvessem mais nutrientes. Nesse experimento foi a composição dos aminoácidos que provocou esse resultado, pois as dietas eram isoenergéticas e isoproteicas.
O que você diria para um profissional que quer se dedicar às pesquisas nessa área em termos de qualificação?
Prof. Barcellos. Quem está dentro da universidade deve aproveitar cada minuto para ganhar conhecimento. Existem duas questões chaves para o profissional. A primeira é ter ao menos o conhecimento básico de todos os assuntos que se relacionam com a sua profissão, e a segunda é criar uma boa rede de contatos. Além das universidades, as empresas cada vez mais oferecem oportunidades de aprendizado e de conexões profissionais.