Data: 23/03/2023

O BRFi Talks recebe Rodrigo Nardi, graduado em Engenharia de Alimentos pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, especialista em Engenharia Química e docente do SENAI de Santa Catarina. Nardi ocupa uma cadeira em Pesquisa e Desenvolvimento na BRF Ingredients, no segmento de Food Ingredients, na qual gerencia as categorias de Proteínas de Soja, Farinhas de Empanamento e Gorduras Vegetais.

Qual sua visão sobre as tendências e o mercado de proteínas de soja atualmente?

Hoje, o mercado de proteínas de soja apresenta um grande potencial de uso e um grande potencial de crescimento. Isso se deve a vários nichos que estão surgindo no mercado e, principalmente, por parte dos novos consumidores e novas tendências de consumo. A busca por produtos mais naturais, mais saudáveis ou que tendem a ter um rótulo mais limpo sem tantos ingredientes artificiais é o que está movimentando bastante este segmento. Além disso, a própria questão de enriquecimento nutricional e outros segmentos, como o Plant Based, enriquecem ainda mais o uso da soja nos mercados de alimentação atual.

O que você, como especialista de desenvolvimento e aplicação, tem a pontuar sobre os estigmas envolvendo o uso de proteínas de soja na formulação de produtos?

A soja é um grão que está cercado de vários estigmas, mas eu creio que o maior estigma que existe atualmente é em relação a fatores antinutricionais, que são alguns componentes dentro do grão que podem dificultar o processo de absorção dos nutrientes. Eles não são um ingrediente adicionado artificial ou intencionalmente no produto, eles fazem parte da defesa natural da planta. Assim, ela não vai afetar a performance do produto final ou a alimentação do consumidor. Outro fator bastante controverso com relação à soja é a questão da sustentabilidade, mas a gente vem ganhando muitas novidades nos últimos anos que estão favorecendo demais o cultivo do grão de uma forma sustentável e rentável economicamente.

Quais são as diferenças entre as farinhas e as proteínas de soja, onde se assemelham e se diferenciam?

Elas têm uma base comum que é o grão de soja. Todas partem do grão de soja e o que pode ser diferenciado entre elas é que tem o grão processado integralmente, que gera a farinha integral de soja; ou processado para a extração de óleo e descasque que é um processo um pouco mais complexo, dando origem ao farelo de soja desengordurado.

O farelo de soja desengordurado vai ser utilizado para fabricação da maioria dos derivados proteicos de soja, sendo o primeiro deles a farinha desengordurada de soja, que parte do farelo desengordurado moído e peneirado. Ele só vai sofrer um processo de moagem e, nesse caso, o que vai diferenciar uma farinha de soja e as diferentes categorias delas é a questão do grau de cozimento e a tostagem.

As farinhas de soja vão ter uma aplicação dependendo do seu grau de tostagem e o teor de proteínas, que varia entre 48% e 50%. Dentro do mercado da proteína de soja, o teor de proteína é um fator-chave para aplicação.

Já a proteína texturizada sofre um processo de cozimento por extrusão em que se usa a pressão mecânica e o calor para modificar a estrutura dessa proteína, favorecendo que ela absorva mais água e tenha uma textura e uma expansão diferentes. Isso dará uma semelhança à textura da proteína da carne, favorecendo todas as propriedades funcionais de absorção de água, mas mantém o teor de proteína, que fica entre 48% e 50%.

Nos demais produtos, as farinhas concentradas e isoladas, são efetuados o processo de remoção dos componentes indesejáveis e com isso aumenta o teor de proteína do produto final. Então, a farinha, o farelo e o desengordurado partem com 48% de proteína, faz-se um processo ou de concentração ou de isolamento da proteína, removendo substâncias indesejáveis. No caso das concentradas, só se remove os açúcares, aumentando o teor de proteína para 68%. No caso das isoladas, remove os açúcares em solúveis e as fibras e há um aumento do teor de proteína para 88%. Com isso, a aplicação é muito mais direcionada para propriedades muito mais apuradas conforme o tipo de seguimento que eu vou utilizar.

Existe um hábito muito consolidado no mercado que é o uso das proteínas de soja em alimentos salgados, como hambúrgueres, embutidos, kibes, almôndegas. Então, quais são as alternativas de aplicação em outros mercados?

Realmente, o uso das proteínas de soja no segmento carne é muito consolidado pela sua versatilidade e as propriedades que ela possui, principalmente por modificar textura, melhorar a fatiabilidade e a esticabilidade do produto. Porém, a gente pode expandir para outros segmentos, usando essas mesmas propriedades em outras categorias do produto, como panificação: pães, bolos, biscoitos; no processamento de aromas-base, caldos, molhos e sopas. Para recheios de base de chocolate, recheios de bolo, recheios de bombons e até mesmo em recheios de biscoitos; na própria formulação de chocolates, ganaches e coberturas. Além de produtos lácteos, como bebidas, sorvetes e alguns cremes, como creme de avelã, amendoim e outros produtos que tendem a ter um teor de gordura mais elevado na formulação.

A proteína de soja é muito buscada como substituta da proteína animal. Quais funcionalidades fazem com que esse ingrediente seja a melhor escolha para determinados produtos?

Basicamente, quando falamos de funcionalidade, são as propriedades que essas proteínas tendem a fornecer ao produto final. O grande destaque para elas é a capacidade de absorção de água e gordura e, com isso, conseguem fazer uma ligação muito forte com esses componentes, formando uma emulsão muito estável. Essa emulsão gerada por essas proteínas têm baixo índice de quebra e tendem a ser uma ligação muito forte e esse aspecto é muito interessante para quando eu preciso de formação de cor, de viscosidade, como no caso de cremes, molhos, sopas e algumas bebidas ou em produtos emulsionados.

É o que faz que essas propriedades sejam tão importantes. Além disso, como alguns produtos de soja ainda têm carboidratos na composição dessas proteínas, tem proteínas que é aminoácido e favorece a formação de cor e aroma por reações que acontecem dentro dos processos de cozimento. Isso promove um realce nos aromas existentes dentro dessa categoria, promovendo novos sabores e demonstrando a versatilidade do emprego em diversos tipos de produtos que forma a necessidade e desejo de cada cliente, permitindo criar novos produtos ou até aprimorar os produtos já existentes no mercado atual.

O que chama muito atenção e já falamos anteriormente, sobre a oportunidade em mercados de alimentos doces, quais as aplicações e os ganhos para essa indústria?

Na indústria de alimentos doces é onde vejo maiores ganhos. Hoje, existe uma demanda muito grande para produtos clean label, que tenha redução de aditivos químicos e que tenha rótulo mais limpo. Com a adição das proteínas de soja pode-se obter emulsões estáveis, substituindo esses emulsificantes químicos e obter produtos tão iguais quanto. Em recheios, por exemplo, a farinha de soja inativa favorece a formação de emulsão, dá um ganho de viscosidade de corpo e até favorece a aeração, que é interessante para sorvetes.

Em sorvetes, quanto mais aerado, mais macio e maior vai ser a sensação de cremosidade no paladar. Já para chocolates e coberturas, favorece a redução do fat bloom, que é comum na categoria de chocolates e coberturas porque essa proteína forma uma ligação muito forte com a gordura e impede que a gordura do recheio migre para superfície ou que o próprio chocolate acabe sendo migrada para a superfície do produto, causando essas manchas brancas que são bem comuns em chocolates.

Para panificáveis, como pães e bolos, a questão da formação de cor e aroma é muito interessante, favorece demais a obter um pão com um cor caramelo bem intensa com o uso de farinhas de soja. Um caso bem especial é que existe a farinha de soja ativa que possui o potencial de clarear o miolo do pão e que pode substituir parcial ou até totalmente o uso de clareadores químicos. Além disso, o teor de proteína é extremamente alto nesses produtos, acima de 48%, gerando atratividade nutricional aos produtos com reforço proteico e proteínas mais elevadas, o que é interessante do ponto de vista do consumidor.

Outro fator bastante interessante é a diminuição do custo de produção, pois as proteínas de soja tendem a ser mais baratas que as proteínas animais e elas podem substituir parcial ou totalmente o uso de leite e ovos em algumas formulações.

Além do mercado de Foods, você enxerga oportunidade em outras frentes de negócios como, por exemplo, em Animal Nutrition?

O nicho de pet food é o que tem ganhado muita força nos últimos anos. O uso para fabricação de formulações de cães e gatos, snacks como biscoitos e outros atrativos para animais, está sendo um uso muito interessante porque explora todo fator nutricional que a proteína tem na alimentação animal. Além disso, tem propriedades funcionais, aquelas de emulsificação, ligação com a gordura e é um produto mais atraente que facilita o processamento industrial.

Esses pontos favorecem demais os ganhos em formulação, pois tem a capacidade de formar aromas muito complexos, o uso de palatabilizantes para determinados tipos de rações, que está ganhando bastante força. Outro nicho que está em estudo ainda, mas tem bastante adeptos, é o uso como um agente nutricional de fermentação. Hoje, a biotecnologia é um dos grandes ramos que está sendo estudada dentro da produção de alimentos e os produtos de soja como meio nutricional para o crescimento desses micro-organismos e produção desses compostos, como aromas, antibióticos, ácidos orgânicos e enzimas vêm ganhando bastante força.