Data: 26/10/2022

Ananda Portella Felix é doutora em Nutrição Animal pela Universidade Federal do Paraná. Com estágio de pós-doutorado pela Universidade de Illinois (EUA), atua na área de pesquisa de nutrição de animais de companhia, com foco em funcionalidade intestinal de cães e gatos. É professora associada do Departamento de Zootecnia da UFPR e uma das coordenadoras do Laboratório de Estudos em Nutrição Canina.

Como se encontra o cenário atual do mercado de nutrição animal?

É um mercado muito promissor que obteve crescimento durante a pandemia, enquanto outras áreas e setores econômicos estagnaram. É possível deixar de consumir alguns tipos de produtos e serviços, ou buscar substituí-los, mas você não vai substituir a alimentação do seu pet. Até é possível realizar a troca por alimentos mais baratos, mas sempre haverá a comercialização desses produtos. Além disso, a quantidade de animais de companhia só aumenta, até mesmo pela tendência de as pessoas ficarem mais isoladas, tanto pela pandemia, como por morar sozinhas, distante de parentes e familiares, os animais são uma companhia.

E quais os desafios que o mercado enfrenta e quais são os caminhos para superá-los?

O maior desafio foi o aumento dos custos dos insumos, os quais sofreram um acréscimo de mais de 50% em alguns momentos, chegando, inclusive, a ter escassez de algumas matérias-primas que são importadas. Isso torna-se um desafio no mercado pet, pois se no rótulo do produto a composição diz que tem um ingrediente, é indispensável que ele o tenha. Esse alto custo não pode ser repassado 100% para os consumidores, o que é um desafio muito grande com as matérias-primas.

Aliado a isso, o que dificulta bastante é a alta carga tributária do Brasil: aproximadamente 51% do preço das rações para animais de companhia corresponde a imposto. Já em outros países, o valor do imposto pode corresponder a 8% do preço, por exemplo. Essa família de produtos ainda é vista como supérflua e por isso as empresas possuem um papel importante de conscientizar sobre não ser um produto supérfluo, principalmente pela importância dos animais de companhia.

Ainda assim, pode-se destacar o desafio da alta competitividade no setor. Existem muitas opções no mercado e por um lado isso impulsiona os fabricantes a sempre melhorarem a qualidade dos seus produtos e fornecer mais opções aos consumidores, por outro lado, torna-se difícil se consolidar e se destacar neste mercado.

Em um mercado muito competitivo, qual a importância da inovação?

A inovação é praticamente tudo, principalmente em questão de competitividade. Para se manter no mercado e conseguir crescer dentro dele, a inovação é necessária em todos os aspectos da cadeia de produção de pet food, iniciando com o desenvolvimento de novos ingredientes e aditivos.

Tanto com o intuito de produzir alimentos mais viáveis sem ter que aumentar muito o preço, mas também buscando melhorias de qualidade e no processamento dos ingredientes. Neste último aspecto, o mercado pet contribuiu muito com o avanço na produção de fontes proteicas de origem vegetal e animal, pois é um mercado muito exigente, o que contribui para a melhora cada vez mais dos produtos.

Sobre fake news no mercado pet, quais podemos desmistificar?

Pet food é uma das áreas que mais tem fake news, porque todo mundo acredita que entende pelo menos um pouco de alimentação animal. Por mais que seja específico para os cães e gatos, transferimos as crenças e aprendizados da alimentação humana para os pets. Há o mito da possibilidade do transgênico ser cancerígeno, tóxico e prejudicial. Existe também a errônea interpretação de que o uso de conservantes sintéticos causa câncer. Outro mito é a questão de que coprodutos na ração seriam simplesmente restos do abate de animais sem controle de qualidade e de baixo valor nutricional. Então, trata-se de mitos e não há o conhecimento sobre processo, padrões de qualidade e regras que precisam ser cumpridas para a produção dos ingredientes e das rações animais.

No campo da inovação, a substituição de ingredientes e o aprimoramento de fórmulas são constantes. Quais os principais ingredientes convencionais e alternativos para nutrição animal?

Os principais ingredientes utilizados são, em primeiro lugar, os alimentos secos extrusados, que são os mais produzidos e comercializados no Brasil. As fontes de amido, principalmente o milho e a quirera de arroz. Existe também o sorgo, trigo, farelos e coprodutos, não só os grãos. No grupo dos ingredientes proteicos têm principalmente os coprodutos de origem animal, farinha de vísceras de aves, farinha de carne e ossos bovina, a proteína isolada de suíno, dentre outros. Já os de origem vegetal têm principalmente o farelo de soja e o farelo de glúten de milho. Já em relação às fontes de lipídios, existem os óleos, principalmente as gorduras de origem animal, como a gordura de frango e óleo de peixe e mais alguns vegetais também.

Quais são os aspectos primordiais que devem ser analisados para verificar se o ingrediente é bom ou não?

O mais importante sempre é a segurança. Esse novo ingrediente tem algum risco para saúde do cão ou do gato? Em caso positivo, deve-se avaliar se esse risco pode ser controlado, reduzido ou anulado por um processo que eu consiga controlar. Os pontos primordiais para análise de um ingrediente é a segurança, valor nutricional, o preço por nutriente-chave e a disponibilidade. Outro ponto importante, além do nutricional, é averiguar se o ingrediente pode ser considerado funcional também. Por exemplo, além de fornecer os aminoácidos que os animais precisam, ele também tem características extras que melhoram a saúde do cão e do gato?

Ainda em relação à inovação, como a biotecnologia pode contribuir para uma alimentação nutricional e funcional?

A biotecnologia é uma ferramenta extremamente importante. E nos últimos anos houve um desenvolvimento mais expressivo de ferramentas biotecnológicas de modo geral, o que é importante para todas as áreas. Por exemplo, o uso da hidrólise enzimática para melhorar a digestibilidade e produzir fontes proteicas alternativas, inclusive, no futuro, talvez a disponibilidade de carne de cultivo celular. Com a biotecnologia, pode haver melhora na saúde e bem-estar de cães e gatos.

Apesar da temática de embalagens sustentáveis ser bastante difundida, são os ingredientes que causam maiores impactos ao meio ambiente. Como analisar essa situação?

Precisamos inovar na comunicação. Não é necessário reforçar que uma ração é melhor porque não tem subprodutos e coprodutos, por exemplo. É possível encontrar embalagens com claims de sustentabilidade por usar papel kraft, mas não por usar coprodutos, o que é um contrassenso. Segundo estudos recentes, o impacto ambiental da embalagem é menor do que o da formulação, sendo que os ingredientes utilizados na produção de pet food impactam mais de 90% no meio ambiente.

Por isso, é importante o uso de coprodutos, porque a carne fresca tem um impacto no meio ambiente muito maior. Portanto, embora o uso de embalagens mais sustentáveis também contribua com o meio ambiente, o uso de coprodutos e níveis nutricionais adequados, sem grandes excessos, são mais relevantes para a sustentabilidade.

A utilização de coprodutos é muito importante para o futuro do setor. E desde que bem produzidos, são super nutritivos e essa questão está ligada diretamente a uma outra fundamental: o desperdício. Quando falamos de sustentabilidade, o primeiro passo é reduzir o desperdício, criar uma nutrição mais otimizada e com níveis nutricionais adequados.

Em relação ao futuro, quais são as principais tendências para este mercado?

É usar menos ingredientes transgênicos, ou não usar, e substituir os conservantes sintéticos por conservantes naturais. Mesmo sem comprovações científicas que ingredientes transgênicos e conservantes sintéticos, quando utilizados adequadamente, são prejudiciais à saúde dos pets, o apelo ao natural é uma tendência crescente, assim como pela nutrição mais sustentável. A sustentabilidade é um ponto que não é apenas uma tendência, mas, sim, um compromisso fundamental para a continuidade do setor pet food.

Então, temos um conflito: os consumidores querem um alimento mais natural, com ingredientes mais nobres, os quais não contribuem muito com a sustentabilidade. Por isso, é importante pensar no uso de coprodutos, já que o nicho de ingredientes naturais vai seguir, mas ficará mais restrito e caro e, por isso, a tendência é investir em soluções ricas e sustentáveis.

A nutrição clínica está avançando muito. Como atua na área de saúde do animal?

A Nutrição funcional também é uma tendência para o setor de nutrição clínica. Observa-se a importância da nutrição na prevenção de doenças e dos alimentos coadjuvantes para auxiliar no tratamento de doenças estabelecidas. Este setor evoluiu bastante em pouco tempo. Além da nutrição clínica (alimentos coadjuvantes), existem alimentos formulados para auxiliar na prevenção de doenças como, por exemplo, alguns alimentos específicos para raças que têm algumas alterações nutricionais específicas para prevenção de doenças próprias de algumas raças de cães e gatos.

E qual é a doença que atinge mais os cães, por exemplo?

Obesidade. Esse é um assunto que a indústria chega em um impasse porque a maioria dos cães e gatos são castrados e isso é muito bom, mas ao mesmo tempo eles têm um gasto energético menor e precisam comer menos calorias, pois eles têm muito mais predisposição a engordar. Com isso, chegamos ao impasse de muitos alimentos no mercado terem alta densidade nutricional e calórica, sendo de alta qualidade, mas, infelizmente, o manejo alimentar em casa acaba fornecendo em excesso esses alimentos, podendo contribuir com a obesidade.

Com isso, tem a questão da quantidade de alimento. O cão muitas vezes precisa comer muito menos do que os responsáveis acham. Quando profissionais e as próprias recomendações dos fabricantes passam a quantidade que um animal deve comer, os responsáveis pelos cães e gatos acham que é uma quantidade muito pequena e acabam fornecendo muito mais. Talvez o setor pet food precise disponibilizar uma maior variedade de alimentos de menor caloria para atender cães e gatos castrados e, junto com os profissionais, contribuir ainda mais com a conscientização sobre o manejo alimentar em casa.

O que dizer ao profissional que deseja se dedicar à pesquisa nesta área?

Essa área de nutrição pet realmente precisa de um profissional multidisciplinar. É fundamental ter um olhar abrangente, em que atenda a nutrição do animal com segurança, selecione ingredientes e encontre novas oportunidades de matéria-prima. Ao mesmo tempo, que entenda de processos e controle de qualidade.

Também é necessário entender de comunicação, legislação e o que o mercado está pedindo. A maior dificuldade é criar um alimento pró-animal, mas sabendo que quem compra é o tutor. Assim, os dois precisam ser agradados. Por fim, o profissional precisa ser dinâmico para ouvir os especialistas de outras áreas e trabalhar com pessoas de muitas áreas para no final entregar o melhor produto.